domingo, 9 de agosto de 2009

A CAPELA DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE



A Lenda da Santa Imagem de Nossa Senhora de Guadalupe

A Imagen da Virgem tem uma longa vida, segundo a lenda, o seu primeiro proprietário, foi, segundo relatos antigos, S. Lucas o senador romano Lucano no primeiro século da era cristã.

Conta-se que após a morte do Evangelista em Acaya (Asia Menor), a imagen foi enterrada com ele. No século IV, foi trasladada com os restos mortais do evangelista para Constantinopla e, daqui foi levada para Roma pelo Cardeal Gregório, legado do Papa Plágio II. Após a eleição do Papa Gregório Magno, expôs a imagen no seu oratório. A Virgen fez a sua primeira intervenção milagrosa, quando o povo de Roma, aclamando com fervor durante uma procissão que fizeram pelas ruas desta cidade, assutada pela peste, verificou que a fatal epidemia desaparecia e ao mesmo tempo um anjo do céu aparecia sobre a cúpula do castelo limpando uma espada com sangue e ao mesmo tempo um coro de anjos cantavam hinos de louvor:
Rainha do Céu, alegrate
aleluia,
Regina coeli, laetare,
alleluia,
ao mesmo tempo houve uma comovida resposta do pontifice, Gregório Magno que presidia à procissão:
Roga por nós ao Senhor
aleluia.
Ora pro nobis deum,
alleluia
O castelo desde então, tomou o nome de Castelo de Sant Angelo, refúgio de papas na paz e durante a guerra.
Isidro, irmão do Papa, levou a imagem para Sevilla e aí entregou-a a S. Leandro, arcebispo da cidade. Durante a travessia uma forte tormenta que se abateu sobre o barco foi prontamente acalmada e a imagem chegou intacta ao porto fluvial hispalense e daí foi levada para a igreja principal sendo venerada até à invasão muçulmana no ano 711.
No ano 714, uns clérigos de Sevilla que fugiam do perigo sarraceno, levaram a imagen até à Extremadura e esconderam-na junto ao rio Guadalupe que significa, “rio escondido” que percorre o vale a sul da serra de Altamira. Seis séculos depois estava perdido o culto a esta imagen e após este período estalaram de novo os prodigios no século XIII pouco depois da recristianização daqueles territorios.


A História da Capela de Nossa Senhora de Guadalupe

Diz, Serafim Cruz, no seu bosquejo, datado de 1973 que “Permita Deus que, amanhã, alguém se empenhe por este problema de Nossa Senhora de Guadalupe, porque há sempre, no contexto de uma obra feita, uma notas marginais a fazer.” Referia-se certamente ao aparecimento de alguém que fosse despertado para a curiosa façanha de conseguir procurar mais sobre este legado de uma parte da história dos nossos anteriores.
O principal biógrafo conhecido, teria sido o Padre João Vieira Neves Castro da Cruz, que foi presbítero da capela de Guadalupe, escritor, poeta, jornalista, deixou instruídas páginas sobre a Ermida do Paço. A sua primeira notícia histórica data de 1870.
Diz o Padre João Cruz na sua explanada exposição, “Justo orgulho podem ter os habitantes do lugar do Paço, da freguezia d´Aguas Santas em prestarem culto á Virgem Santissima, com o titulo de Guadalupe, na Ermida que ali existe, levantada em sua veneração e louvor. A sua origem é um novo realce do poder de Maria, e um padrão immorredouro da sua protecção.”
O Padre João Cruz deixou-nos o relato da origem da devoção neste lugar à Virgem e as razões para o aparecimento da Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe e é esse relato que aqui transcrevemos na integra.
“Um homem do logar do Paço foi accusado de haver commettido um assassinato. Sendo procurado pela justiça e pelos parentes do morto que n’elle queriam vingar aquelle crime, viu-se obrigado a deixar a sua terra natal e a buscar asylo em terra estranha. Retirou-se para Hespanha, a um logar proximo do sanctuario de Guadalupe. Como o homens se voltavam contar elle, voltou-se para o Céo, e implorou o seu socorro por meio da rainha dos Anjos, a imperatriz do céo e da terra, a Senhora de Guadalupe, que tanto poder tinha diante do tribunal divino, e que tão grandes prodigios obrava junto do seu retiro.
“No meio das suas angustias prometeu á Virgem Santissima que, se tornando ao seu paiz, não encontrasse perseguidores, e se mostrasse sem culpa no srime imputado, promovaria o seu culto e obsequios, erigindo um templo á sua honra com o titulo de Guadalupe, e que alli a serviria em todo o tempo restante da sua vida.
“Firmemente confiado no patrocinio da Santa Virgem, passados muitos annos, regressou á sua patria ao logar do Paço, e no caminho lhe appareceu a poderosa Senhora que lhe disse:-Vae, não temas, porque eu serei comtigo.
“ Com effeito, chegou ao logar do Paço. Não houve quem o culpassse, sendo geralmente reconhecida a sua innocencia, apesar de lhe ser instaurado um processo. Grato á sua amavel e augusta bemfeitora, curou immediatamente de cumprir o voto que lhe tinha feito, erigindo uma pequena Ermida á Senhora de Guadalupe. No mesmo logar do Paço lhe appareceu a imagem da Senhora, similante á que se venera em Hespanha, a qual elle collocou na Ermida. Piamente se julga ser obra do céo e fabricada por mãos dos Anjos.
“ O piedoso servo da Senhora aqui viveu junto do oratório que fundára, como ermitão, contemplando as cousas do céo e servindo a rainha dos Anjos, e acabou os seus dias santamente.”
O Padre João Cruz adianta uma data muito próximo da verdade quanto à edificação da Ermida ou antes oratório dedicado à Virgem, o ano de 1580. Em 1633 foi construído um novo templo edificado sobre o oratório existente aumentado assim o espaço para poder albergar os inúmeros fieis que procuravam a graça da Senhora de Guadalupe. Em simultâneo foi edificada uma casa para abrigo e recolhimento dos romeiros e habitação do Ermitão que cuidava do culto e serviço do santuário. Esta casa ainda hoje existe junto da Ermida. O primeiro Ermitão foi o devoto fundador.
“Eram tantos os milagres que começou a obrar a Senhora em o novo sanctuário, que de todo as partes concorria immenso povo, e segundo testifica D. Rodrigo da Cunha, Bispo do Porto, já no anno de 1623 era muito frequentada esta Ermida de romeiros que alli vinham visitar a Senhora de Guadalupe.”
Um século depois, em 1722 foi novamente aumentada na forma que hoje existe, dando uma dimensão e capacidade a ponto de um historiador dizer, que podia servir de paróquia a uma das mais nobres povoações.
“ Mandou-se fazer uma nova imagem grande da Senhora com o Menino Deus nos braços, e na mão direita um sceptro. Na cabeça tem uma coroa imperial, e o manto, que desce até aos pés, é cercado de resplandores. Dia z tradição que esta imagem viera de Hespanha, e é de tanta perfeição e formosura, que mais parece fabrica d’Anjos do que d’homens. Um auctor, que viajou em todo o reino de Portugal e em paizes estranhos, affirma que não vira imagem da Senhora mais perfeita nem mais formosa.
“ Aos lados da imagem grande da Senhora de Guadalupe estão duas estatuas d’Anjos postados em acto d’adoração, e sustentando cada um d’elles uma tocha. Tanto o retabolo que encerra a tribuna como os Anjos foram collocados no anno de 1746, importando esta obra em oitenta e sete mil e quinhentos reis; e n’essa mesma occasião foi composto o altar.
“ Alem do altar mór tem a Ermida dous altares collateraes abaixo do arco do cruzeiro. No da parte do Evangelho está collocada a imagem de S. Domingos de Gusmão, e na da Epistola a imagem de S. João de Deus. São notáveis os retabolos dos altares pela rica entalha em madeira, e que é dourada.
“As paredes da capella mór, bem como o tecto, são pintadas, representando varios emblemas allusivos á Senhora, tirados da ladainha.
“ As paredes do corpo da Ermida também são pintadas, representando varios passos da Paixão de Jesus Christo. A primeira obra foi feita no anno de 1746, e a segunda no de 1754. Estas pinturas estão bastante deterioradas; mas deviam ser muito lindas na sua frescura.
Termina o Padre João Cruz esta parte da sua descrição do templo com uma forma muito própria de quem admira os actos de caracter nobre e ao mesmo tempo simples de pensamento e fortes de devoção das gentes deste lugar.
“Por tudo isto é notavel a Ermida da Senhora de Guadalupe, erigida no logar de Paço.
“ É indvizivel a devoção dos povos d’estes sitios Á Santissima Virgem. Em todas as suas necessidades recorrem a ella e se valem do seu patrocinio, fazendo-lhe votos, celebrando novenas e cantando missas. Muitos portuguezes, residentes no imperio do Brazil, a invocam como sua medianeira, e de lá mesmo ordenam que se cumpram os seus votos, e outros, regressando á patria, veem á sua Ermida agradecer o beneficio recebido.
Quanto aos milagres e benefícios que a Senhora de Guadalupe fez, e continua a fazer pelos seus devotos, diz:
“ Eu seria extenso, se quizesse enumerar todos os prodigios que os fieis confessam ter obrado a Senhora de Guadalupe, invocada com viva fé e sincera devoção.
“ A sua fama voou por toda a parte, sendo por isso objecto de culto e veneração de povos distantes. O veneravel P. Balthazar Guedes, que foi fundador e primeiro reitor do collegio dos meninos orfâos do Porto, e que morreu santamente em 6 d’outubro de 1693, foi devotisssimo da Senhora de Guadalupe, e veio á sua Ermida de paço venerala.”
Termina o seu comovido relato dizendo.
“Todos os domingos e dias santos há uma missa ao sol nado, sendo eu o actual capellão da Ermida.”
Serafim Cruz termina este seu bosquejo com uma referência muito louvada ao Padre João Cruz, com estas mui singulares palavras, “ Difícil será encontrar, nos anais da arte de escrever, um estilo tão à-vontade, sobre o joelho, sem lumes de pirotecnia, sem uma rebusca, como quem não quer a coisa. Mas, sem querer atingir a memória do autor desse texto, que muito admiro, porque foi um notável filho da Maia, não é ofensa aqui dizer que o biografo da Ermida de Guadalupe mostra-se, na sua forma de expressão, tão simples no seu método que se aproxima da ingenuidade. Mas nada lhe fica mal esse seu engenho….”
Termina com esta bonita frase, “essa veneranda e venerada Ermida, _ que é, passe a imagem, a Menina-bonita da Freguesia de Águas Santas.”
Ao longo destes últimos quarenta anos a capela ou melhor dizendo, Ermida de Guadalupe tem sido alvo de obras de restauro quer interiores quer exteriores. Em 1972 foram efectuadas obras de consolidação das paredes exteriores e colocados azulejos nas duas paredes do frontispício com o propósito de evitar as fortes batidas da chuva e assim impedir a degradação das pinturas murais, uma intervenção que na época se afigurava a mais acertada e que mais tarde viria a ser corrigida e bem.

Em 1985 apraz registar a boa vontade das gentes deste lugar quando levaram a cabo a recuperação do altar-mor e dos dois altares colaterais em entalha dourada que vinham sido mordidas pela acção dos anos e que requeriam uma intervenção que pudesse preservar uma obra de arte, uma relíquia das terras da Maia.
No ano 2000, foi levado a cabo a recuperação do exterior da Capela, nomeadamente a reposição da fachada original, telhado, lavagem do granito, etc.
É em 2002, que se inicia a tarefa quiçá mais importante levada a cabo quando finalmente se iniciam as obras de restauro das pinturas murais que cobrem todas as paredes interiores da Ermida. Tarefa árdua mas conseguida, tarefa difícil mas ultrapassada, uma tarefa que foi ganha com a ajuda, a vontade e generosidade deste povo cuja estirpe tinha de ser respeitada.
Foi uma merecida tarefa, quando a 1 de Maio de 2005 em pleno dia de festa foi possível juntar neste pequeno lugar tantas entidades e pessoas generosas que se associaram às gentes de Guadalupe para assim celebrarem tão nobre acontecimento, apresentando as magníficas pinturas murais que durante anos estavam encobertas pelo desgaste do tempo escondendo o seu valor intrínseco, verdadeiro património e verdadeira relíquia.
Como em muitos outros locais deste nosso mundo, também aqui veneramos a Nossa Senhora de Guadalupe, vai para mais de quatro séculos. Também aqui existiram pessoas devotas que mantiveram vivo este culto que deram parte de si para que se mantivessem acesas as chamas da devoção e da oração. Volvidos estes séculos, hoje é possível ainda acreditar que essas chamas continuam acesas, brilhando agora com mais intensidade, pois foi possível tornar realidade um sonho, não só com a vontade, não só com a generosidade mas acima de tudo com o sentido de responsabilidade que nos juntou para preservar um legado mais importante que a história, porque é parte da nossa história.

A Ti, Senhora de Guadalupe do Lugar do Paço

Avé Maria, água, fogo, terra, ar não podem louvar-te segundo os teus méritos, nem segundo a tua glória. Vira a tua graça para os teus pobres servidores. Pomba viva, o teu louvor paira sobre todos os céus, como a águia sobre todos os ares.
Maria, Nossa Senhora de Guadalupe, a inconcebível história de uma jovem mulher judia, quase uma menina, vivendo num lugarejo perdido, que deu nascimento a Jesus. Um jovem que iria subverter a história do mundo e que ela criou com José, dia após dia. Pelas suas palavras, os seus sorrisos, as suas censuras, de vez em quando, o seu destino, o seu exemplo, em resumo, tudo o que Ele era.
Uma mulher se interrogou, como Ele, e mais do que Ele. Que lhe pediu explicações. Que lhe opôs, como qualquer mãe, a sua esperança, que discutiu afirmações ou atitudes que a surpreendiam, a feriram, porque punham em causa uma Lei, ou aplicações dessa Lei, que ela tinha aprendido a respeitar.
Uma mulher que se consumiu no trabalho de todos os dias, mãos calejadas, olhos cansados, as costas vergadas com cargas demasiado pesadas. Que, no entanto, sorria, com o coração a rebentar de esperança. Que sofreu por Ele e com Ele, que receou e corou muito. Uma mãe judia chamada Myriam. Que só conhecemos por causa d’Ele. Porque cada criança é um pouco um espelho.
É claro. A mãe desta criança não podia ser senão uma mulher de excepção, luminosa. Mas mulher entre as mulheres. Partilhando, em tudo, a humana condição e indo com Ele até ao fim da viagem..

O exterior da Capela

O exterior da Capela

Antes era assim...

Antes era assim...

A capela durante as obras...

A capela durante as obras...

A Capela pronta...

A Capela pronta...